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Retomada de aulas deve ampliar a pandemia em São Paulo, dizem educadores

Cresce a adesão à greve dos servidores do ensino público municipal, deflagrada no último dia 10 contra o retorno das aulas presenciais sem vacina

Publicado: 15 Fevereiro, 2021 - 18h07

Escrito por: Cecília Figueiredo

Alexandre Linares/Sindsep
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A Prefeitura de São Paulo manda reabrir escolas e retomar atividades presenciais sem resolver problemas estruturais das unidades, déficit de RH, encerrando contratos para limpeza e higienização. Para professores, diretores e até conselheiros de cinco escolas escolas na zona Leste, do ensino infantil ao fundamental, a retomada nesse momento é um erro.

“Na situação que estamos passando, a última coisa que importante é o financeiro”, disse uma professora de Emei que está em greve e pede para não ser identificada. A educadora, que é mãe de uma criança de três anos, também decidiu que não levará seu bebê para a creche.

“Nós estamos na escola onde trabalho com problemas de falta de pessoal para limpeza, porque está encerrando no dia 19 o contrato com a Guima [empresa contratada que presta serviço de limpeza], segundo a DRE não sofreremos nenhuma baixa, mas como isso é possível com o fim do contrato? Sabemos que algumas escolas já estão tendo problemas com a nova empresa contratada pela Prefeitura de São Paulo. Sou mãe também de uma criança de CEI, eu havia optado por minha filha ir para a escola, mas quando vi a situação da escola, com mato alto, acharam até cobra lá, sem condições. Decidi na reunião de pais que minha filha não voltaria”.

Educação infantil demanda aproximação e toque

Uma diretora de outra EMEI, também localizada na periferia da zona Leste, concorda com o temor da colega. “A educação infantil é extremamente afetiva, muito abraço, muito contato, e a criança não tem esse discernimento que nós, adultos, temos em se distanciar, de não abraçar, não beijar. Como permanecer com as crianças seis horas no parque sem que elas se aproximem e mantenham distância dos adultos? Ela será a portadora do vírus dentro de casa e se tiver alguém suscetível à doença poderá adoecer e até morrer por conta dessa presença na escola. Acho temeroso esse retorno sem a vacina para todos e sem que as escolas estejam prontas para esse retorno”, afirma a gestora que trabalha com cerca de 350 crianças na escola que dirige.

Ambas fazem coro entre os colegas para a adesão à greve. “Não há condições para retomar a educação infantil. Falta produto de limpeza na CEI. Por isso, o pessoal não retornou em 10 de fevereiro. Imagina: sem produtos de limpeza, mato alto, não há funcionários para oferecer a alimentação escolar aos alunos. Tá tudo errado. Tudo bagunçado!”, diz a professora.

Ela também critica a forma como está sendo feita a avaliação das unidades escolares. “Quais são as condições que a pessoa destacada para ser avaliador tem? Já esteve no chão da escola? Tem experiência? Tem contato? Conhece a escola? Conhece a comunidade escolar? São várias questões que a gente levanta pela falta de nexo dessa retomada”.

Greve pela vida

Muita gente doente, que conta com a irresponsabilidade de um governo que joga no colo de professores, diretores e quadro de apoio o que deveria fazer: preservar a vida da população e garantir condições para que o teletrabalho fosse desenvolvido, até que a vacina chegue a todos.

A diretora de Emei, que pediu para não ser identificada, está com Covid-19 desde o dia 1º de fevereiro. “Tenho asma, então ano passado permaneci em teletrabalho, com a mudança da normativa este ano, retomei o trabalho presencial no dia 1º de fevereiro, na madrugada de 3 de fevereiro acordei às 3h da madrugada e não consegui dormi mais, tamanha era a dor de cabeça. Comprei um teste de farmácia e deu negativo. Para minha filha, meu marido e meu irmão, positivo. Fomos para o hospital e lá o PCR deu positivo para Covid”, relata a educadora.

Preocupada com as crianças, pais e com sua família, ela afirma que por ter pai de 90 anos, em nesses quase doze meses só saiu de casa para consultas médica e para ir numa emergência ao dentista. “Não dá para afirmar que  contrai na escola, mas também não dá pra afirmar o contrário”, pondera a educadora, que fez parte do inquérito sorológico realizado em 2020, que indicava a não exposição ao coronavírus. 

Recomendações sanitárias não estão 100% e falta RH

Não há segurança alguma para essa retomada das atividades presenciais, em sua opinião. “Embora a unidade tenha passado por reformas, não mexeram na ventilação, nas janelas, conforme recomenda o protocolo sanitário. Além da questão do prédio com adequações pendentes, o quadro de RH foi reduzido, com readaptações, afastamento por doenças e outras situações, conclusão: dos 5 agentes escolares restam dois nesse momento, no equipamento que teve 7 casos de Covid-19 entre os funcionários, o equivalente a 5% do RH. Com o fim dos contratos de higienização e limpeza, de uma equipe com 5 trabalhadores, a escola terá que reabrir com apenas um e não há data prevista para o novo contrato iniciar”. Para a diretora não basta prédio arrumado, a educação demanda mais que isso. 

“Recebemos por e-mail um protocolo de 160 páginas e estamos discutindo na escola, item a item. O que estava em nossa mão com os recursos disponíveis no ano passado fizemos, mas queríamos muito que fossem trocadas as janelas das salas por ser muito quente e não ter ventilação. Vamos ter que comprar ventiladores e correr o risco”.

Nos deparamos com outra CEI, também na região Leste, onde cinco dos 34 funcionários da unidade tiveram Covid, conforme indicou o inquérito sorológico realizado em 2020. Mesmo assim, a retomada das atividades presenciais segue sem obedecer o item 6 do protocolo de recomendações sanitárias.

“Não conseguiremos fazer a limpeza e higienização com a frequência orientada. Habitualmente tínhamos cinco funcionários, agora reduziram para três. Mesmo tendo que atender 35%, teremos que utilizar todos os espaços, com mais frequência. Tem corredor que não permite 1 metro de distância. O prédio é muito pequeninho. Onde fica a equipe de apoio da direção falta ventilação e é bem restrito, sem contar banheiros que demandarão muita higienização, assim como refeitório. Enfim, bem complicado”, reitera a diretora, que é a favor da retomada somente após a estruturação, vacina para todos, testagem e equipamentos de proteção individual adequados. 

Em outra EMEF, na mesma região Leste, os problemas se repetem: falta de quadro de apoio, encerramento de contrato para limpeza e o medo diante de uma doença sem tratamento e pouco conhecida em suas consequências.

“Do ponto de vista físico, a escola [onde trabalha] está preparada para reabrir, embora as verbas sejam difíceis. Abri todas as janelas...Mas, o quantitativo de pessoal de limpeza não vai dar conta. De 8 trabalhadores, que havia 15 dias atrás, agora estou com 3. Não vou conseguir garantir a higienização adequada do equipamento. No quadro de ATEs, a maioria com comorbidades está afastado. De 5 estou com dois ATEs. Nessa ausência de recursos humanos, nenhuma beleza de prédio dá conta”, analisa o diretor, que não será identificado para evitar perseguições. A entrevista foi concedida três dias antes da reabertura das escolas.

Em 9 de fevereiro, esse e outros diretores de escolas municipais entregaram uma carta aos dirigentes de educação, pedindo mais pessoal para cumprir o protocolo de higienização. “Teremos que ter 5 intervalos para almoço com espaço de 15 minutos, para poder realizar a higienização e quem fará isso, se terei uma pessoa de higiene por período?”, questiona o trabalhador, que é responsável em sua escola por mais de 1200 alunos e cerca de 100 funcionários, mas que hoje deve ter em torno de 75, devido a afastamentos, pessoas de grupo de risco em trabalho remoto e aposentados sem reposições pelo município.

Responsabilidade da pandemia empurrada para as escolas

Todas as orientações sanitárias foram jogadas para os diretores que tiveram de fazer acontecer. Assim como a diretora da Emei, que está se recuperando da Covid, este diretor de Emef relata que tiveram de trabalhar até 14h, apesar da jornada original ser de 8h diárias, para fazer o que foi pedido pela Prefeitura de São Paulo. “Em maio tentei vir um dia ou outro, mas as demandas do Poder Público não deixam. Compareci à escola todos os dias da pandemia. Além do trabalho na escola, acordando e dormindo com centenas de mensagens, e-mails com demandas, entregas de subsídios para as famílias, com quadro reduzido….”, elenca.

Todos educadores entrevistados concordam que o retorno das aulas deve considerar que as crianças precisam estudar, mas é preciso estruturar esse retorno. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entende que a maioria das escolas, principalmente as das redes públicas, precisa se estruturar adequadamente para garantir segurança básica no retorno dos alunos às aulas presenciais diante da pandemia de Covid-19. A posição é um dos pontos levantados no documento divulgado pela entidade em 29 de janeiro. 

Ao atualizar o documento no segundo semestre de 2020, a SBP alertou para a necessidade de gestores públicos providenciarem, ainda que com as escolas fechadas, a melhoria dos espaços e a avaliação das suas condições de infraestrutura tecnológica e higiênico-sanitárias, antes da reabertura.

“Para 20 alunos é preciso pelo menos um par de olhos para atender e da forma como está acontecendo vai expor todo mundo. Irá retornar pro gestor o controle sobre a pandemia. Jogar nos nossos ombros algo que não é de nossa responsabilidade”, avalia o diretor que teme que a equipe de apoio seja o principal alvo nesse momento. “A equipe de apoio será o principal alvo nesse retorno às aulas, pois é quem ficará na mediação de corredor. São trabalhadores que já se encontram emocionalmente adoecidos porque não pararam na pandemia, tiveram de se deslocar em ônibus cheios, lidando com o medo da doença”.

A professora de Emei relata ainda um caso de negligência ocorrido na semana passada. “Uma agente de apoio à beira de se aposentar trabalhou na gestão inteira e agora na preparação da escola para a retomada, mas a filha assintomática começou a se sentir mal, ela também sentiu um incômodo na garganta, aí as duas fizeram o teste e deu positivo para Covid. Fomos buscar a unidade próxima, relatamos o caso, e o pessoal do serviço de saúde disse que não iria adotar nenhuma medida [testagem, por exemplo] porque um caso não era surto. Ou seja, se os demais que estavam no local trabalhando, forem assintomáticos e já tiverem levado a doença pra suas casas, dane-se?”, questiona.

Sem coragem de levar para a escola

Não são apenas trabalhadores de escolas que têm essa visão sobre o desastre do processo. Ademir Ferreira Gomes, avô de seis crianças em idade escolar, disse não ter “coragem” de colocar os netos em risco de vida. “Já segurei tanto tempo dentro de casa, como vou largar lá agora e a responsabilidade. O estudo [remoto], ainda que a gente acompanhe as crianças, não é o mesmo que numa sala de aula, mas na situação que nos encontramos hoje...não dá”, pondera o Gomes, que é conselheiro da Emef Professora Claudia Bartolomazi, no Jardim Etelvina, do Conselho de Representantes de Conselhos de Escolas (Crece), da Supervisão Técnica de Saúde Cidade Tiradentes, UBS Luís Maranhão e Hospital Municipal Cidade Tiradentes.

“Pelo que ouvi na reunião do Crece muitas escolas não estão aptas a receber os alunos, com segurança. Não estão adotando os protocolos da Covisa. Mato alto, sujeira, vitrôs sem ventilação, há uma CEI onde chove mais dentro que fora. Se circularmos aqui perto é fácil verificar a quantidade de escolas estaduais e municipais que ficaram abandonadas nesse período de pandemia”, denuncia o morador de Cidade Tiradentes. 

Angústia e adoecimento

O cenário de incertezas e adoecimento pelo coronavírus também segue nas escolas particulares. Tivemos acesso ao caso de uma professora que teve de retomar as atividades em 1º de fevereiro e no último dia 13 começou a ter sintomas. O filho de 11 anos, estudante da mesma escola, foi o primeiro a apresentar sintomas, em seguida a mãe, que é professora na escola particular e o marido, que é da rede pública. Somente o filho mais novo, de 7 anos, ainda não tinha o diagnóstico fechado nesta segunda (15).

Outras duas colegas de trabalho da professora, que pediu para preservar sua identidade, foram identificadas com Covid nesta segunda (15). "Várias amigas que trabalham em outras escolas particulares também relataram casos de Covid, nessa volta às aulas presenciais", diz a educadora, que está aflita pela forte dor de cabeça e no corpo.

Servidores municipais exigem vacina já para todos!

É por esses problemas, muitas incertezas e nenhuma resolutividade da Prefeitura de São Paulo que o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sindsep/SP), junto com as demais entidades que representam trabalhadores da Educação, deflagrou a greve no último dia 10.

"A nossa intenção com a greve, que vem sendo construída e desejada desde 2020, é estabelecer um diálogo com a Secretaria Municipal da Educação. Em 2020, conseguimos remover o retorno às aulas em setembro, que era intenção da SME, em troca de alguns testes e improvisação de escolas municipais. A resistência das entidades sindicais deram conta de remover essa intenção perversa, que traz junto um projeto privatista da educação municipal, seja através de vouchers, compra de vagas na educação infantil e de relações muitos suspeitas que tivemos que combater no ano passado. Não queremos improvisação. Queremos retomada das aulas, com segurança. É preciso que todos tenham a garantia de sair para trabalhar ou estudar e voltar vivo para sua família. Para isso, o governo deve distribuir testagem em massa e adequar o calendário escolar ao Plano de Imunização”, disse Maciel Nascimento, secretário de Trabalhadores da Educação do Sindsep.