O que esperar de 2019?
Sociólogo e diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio traça os cenários que a classe trabalhadora e as entidades sindicais enfrentarão no primeiro ano do governo Bolsonaro.
Publicado: 07 Dezembro, 2018 - 16h40
Escrito por: Clemente Ganz Lúcio
As urnas elegeram um projeto econômico desconhecido, que não foi apresentado. Poucos sabem que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, está alinhado com interesses que pretendem implantar uma profunda reorganização do sistema produtivo, do Estado, das políticas sociais e do sistema de seguridade, entre outras mudanças. Com o desconhecimento da agenda, parte do País tem esperança, o que dá força ao governo eleito.
Para a área econômica, o mercado deve ocupar o maior espaço possível, garantindo todas as possibilidades de negócio privado. O Estado deve ser forte para assegurar as regras justas para a livre competição entre capitais e apoiar a concorrência global, com cada país priorizando, na divisão internacional do trabalho, as próprias vocações (a aptidão brasileira é primário exportadora!). O que está por trás é a maximização do lucro, em tempo cada vez menor, para distribuição a acionistas, em uma economia integrada ao capital internacional. O Brasil passará a ser, progressivamente, coordenado pelas forças do mercado (rentistas e financistas) e a nação subordinada para produzir a partir dos desejos de quem manda no mundo.
O Estado deverá ainda: valorizar o indivíduo como unidade flexível de produção e de consumo, a ser mobilizada pelos valores da meritocracia e que naturalizam a desigualdade; prestar assistência aos desvalidos e miseráveis, com políticas públicas muito bem focadas e sem caráter universalista; promover concessões dos serviços e funções públicas à iniciativa privada para gerar negócio e lucro – quem puder paga e os demais recebem a assistência pública possível.
O equilíbrio fiscal deve ser rapidamente alcançado, com menos impostos, priorizando investimentos para apoiar o incremento da produtividade e garantir a eficiência do capital, com uma dívida pública pagável, de forma segura, aos investidores/rentistas. Transformações como essas farão do Brasil um outro país, com uma economia integrada aos interesses das grandes corporações, cuja soberania será sufocada pela submissão aos interesses externos.
O Brasil saiu da recessão (queda do PIB de -8,1%, entre 2014 e 2016), mas o motor da economia ainda falha, pois o crescimento ainda é baixo, de 1,0%, em 2017, e estimativa de 1,5% para 2018. É provável que esse quadro mude e o crescimento seja maior e mais acelerado!
Em 2019, o País poderá crescer entre 2% e 3%, com diminuição do desemprego (aumento do emprego formal e das ocupações informais), incremento da massa salarial real e inflação em torno de 4% a 4,5% no ano. Uma nova crise internacional projeta crescimento menor da economia mundial, sem maiores impactos para o Brasil, no curto prazo.
Mas como isso é possível? Há capacidade ociosa das empresas para ser ocupada, o que permite rápido aumento da produção em curto prazo, com trabalho em horas extras e criação de novas ocupações. Os investimentos públicos e privados poderão ser retomados. A redução do desemprego pode colocar mais de 1 milhão de pessoas no mercado de trabalho, reduzindo para menos de 11 milhões o número de desocupados (contingente ainda muito alto), o que, combinado com uma inflação bem-comportada, aumenta a massa salarial e repercute bem no consumo das famílias.
Caiu o endividamento das pessoas e das empresas, o que, com a Selic baixa para padrões brasileiros e juros ainda altos, porém menores, pode animar a disponibilidade e o acesso ao crédito, facilitando investimento e consumo.
Há milhares de obras paradas, que poderão ser reativadas e concluídas, bem como uma carteira de novos projetos a ser implantada. O emprego (construção e indústria) e a demanda industrial podem ser estimulados.
Nesse primeiro ano de governo, a agenda de reformas será encaminhada, com mudanças constitucionais, na legislação e na reorganização administrativa do Estado, dando segurança e incentivando negócios.
No campo do trabalho, as reformas começam com a divisão das políticas públicas. Hoje reunidas no Ministério do Trabalho, as políticas de emprego, trabalho e renda serão repartidas entre os Ministérios da Economia, Cidadania e Justiça. E isso deve causar muitos impactos. Vai aumentar a flexibilização do mercado de trabalho e do sistema de relações laborais, o que proporcionará condições para o aprofundamento dos ajustes estruturais da força e do custo de trabalho às mudanças patrimoniais das empresas e do Estado, à reorganização do sistema produtivo e às novas tecnologias.
A reforma da previdência é prioridade, exigida pelos agentes econômicos, essencial para o ajuste fiscal. O conteúdo está em elaboração e será apresentado em breve. Alguns anúncios mostram que haverá idade mínima, desvinculação do salário mínimo, capitalização, assistência etc.
Salário mínimo, abono salarial, FGTS e FAT, seguro-desemprego e transferência de renda estarão na agenda das mudanças, assim como alteração de regras, escopo e conteúdo regulatório para uma outra seguridade e proteção social.
A reforma tributária também será tratada. Deverão ainda ser tomadas medidas para alterar e acabar com vinculações orçamentárias, entre outras, para reorganizar o orçamento da União, dar flexibilidade aos gastos e cumprir o teto constitucional (Emenda Constitucional 95), garantir o ajuste fiscal e apoiar investimentos na infraestrutura econômica.
A privatização dos ativos produtivos do Estado e as concessões serão encaminhadas, assim como a ampliação das possiblidades de acesso do mercado aos recursos naturais. A concessão de serviços públicos poderá avançar na área da saúde, educação, segurança, assistência, entre outros. Esse movimento poderá estimular ainda mais a venda das empresas nacionais, as fusões e aquisições, principalmente com a ampliação da internacionalização da economia, o que poderá acelerar os investimentos estrangeiros, o processo de inovação tecnológica e de reestruturação produtiva, inclusive com o aprofundamento da terceirização.
O investimento em infraestrutura econômica poderá mobilizar um novo ciclo de crescimento no setor da construção, retomando as obras paradas ou colocando em curso a construção de projetos aprovados. Novos marcos regulatórios visarão a segurança jurídica dos negócios, da propriedade e da transformação produtiva.
As dificuldades do novo governo para colocar tudo isso e muito mais em marcha serão enormes. Mas um governo sempre começa com força e, no meio do caminho, tem que fazer escolhas.
Haverá, então, uma transformação profunda da estrutura econômica, do sistema produtivo e do Estado. Nesse contexto de mudanças, um outro mundo do trabalho surgirá, novo em vários aspectos, com marcos regulatórios e protetivos mais flexíveis. A regulação da flexibilidade dos contratos de trabalho, da jornada, da proteção e dos salários visa criar uma integração entre trabalho, homem, máquina para a reestruturação produtiva decorrente das revoluções tecnológicas (que aqui ainda não foram realizadas) e, agora, conectá-los ao sistema produtivo da 4ª revolução industrial. As reformas institucionais no mundo do trabalho somente começaram.
O desafio do movimento sindical será criar, na base desse sistema produtivo em transformação e desnacionalizado, de uma economia predominantemente de serviços, o novo sujeito coletivo no campo do trabalho. O sindicalismo precisará ser capaz de protagonizar a disputa distributiva para construir novos marcos regulatórios locais e gerais, agregar direitos e qualidade às novas condições de trabalho, jornada, contratos, salários e local de trabalho, bem como, e principalmente, promover novas formas avançadas e universais de proteção laboral e social.