A ilusão é branca. A esperança, vermelha
Em editorial da Página 13, Articulação de Esquerda critica "turma do pensamento positivo".
Publicado: 27 Junho, 2019 - 13h40
Escrito por: Página 13
No dia 25 de junho, milhões de pessoas acompanharam à distância o julgamento, pelo STF, de dois habeas corpus impetrados pela defesa de Lula.
Nas redes sociais, muitas lideranças experientes manifestaram, de público e privadamente, grandes expectativas em uma vitória. Gilmar Mendes, anteontem tratado como canalha, chegou a ser citado como um grande aliado. E muita gente boa se surpreendeu com o voto contrário de Celso de Melo.
O que dizer desse comportamento, senão reconhecer que existe, na esquerda brasileira, uma corrente que simplesmente não consegue se libertar das ilusões?
Não se trata de uma pessoa, nem de um partido específico: é toda uma corrente ideológica, que aderiu ao “pensamento positivo”, segundo o qual gentileza gera gentileza, moderação gera moderação; conciliação gera conciliação.
São os que achavam que se a esquerda desistisse da revolução e da “ditadura do proletariado”, a direita desistiria dos golpes e das ditaduras militares.
Se a esquerda parasse de defender a expropriação dos capitalistas, estes aceitariam a distribuição de renda e poder.
Se a esquerda deixasse de lado o anti-imperialismo, os EUA e seus amigos europeus aceitariam a integração regional e respeitariam a soberania nacional.
Se a esquerda acreditasse no “estado de direito”, o outro lado abriria mão do “estado da direita”.
O que aconteceu, todos sabemos: o golpe de 2016, Lula preso, um cavernícola na presidência, o Brasil e a América Latina regredindo.
Apesar disso, a turma do pensamento positivo não desiste!!!
Nem pensar em autocrítica das ilusões!!!
Passaram a dizer que o golpe foi causado porque Dilma não soube “dialogar”; que as forças armadas apoiaram o golpe porque foram “provocadas” por certas atitudes inadequadas da esquerda; que a condenação e prisão de Lula foram obra de Moro e Dallagnol, não do partido do judiciário.
Que Lula “com certeza seria candidato”; que Haddad seria eleito se atraísse o centro; que Bolsonaro é fruto de um acidente imprevisto, não de um movimento organizado; que o governo é frágil e a liberdade de Lula está por um triz.
Que as revelações do Intercept vão virar o mundo de ponta-cabeça, que com certeza venceremos as eleições de 2022 e — crème de la crème — que o grande empresariado já se deu conta de que era feliz e não sabia.
Os “positivistas”, quando questionados, lembram com ares inteligentes, típicos de quem leu sem entender, daquela famosa boutade do Barão de Itararé: “tudo pode acontecer, inclusive nada”.
Os “positivistas” reclamam que não podemos ser cegos às contradições existentes no “campo adversário”. E, por fim, atacam o “negativismo” dos que supostamente acham que tudo sempre vai dar errado.
Onde estará a verdade?
Na prática.
E “a prática”, no caso, significa a luta de classes. E na luta de classes vale a máxima: se vis pacem para bellum. Se queres a paz, prepara-te para a guerra.
Lula pode ser libertado, Bolsonaro pode ser derrotado, nossos inimigos podem ser divididos, podemos voltar a governar o país.
Mas para isso, só há um caminho: lutar, lutar e lutar. E os que vivem no mundo das ilusões, não conseguem lutar adequadamente.
Não compreendem, por exemplo, que para derrotar o inimigo, é preciso conhecê-lo. Não subestimar sua força, não minimizar suas más intenções, não desconsiderar sua vontade de vencer.
Os que criticam as ilusões dos “positivistas” não são “negativistas”. São realistas. Não confundem seu desejo com os fatos. Guardam a vontade para organizar a luta. Luta que será mais ou menos longa, a depender do que ocorra no mundo, a depender das divisões na coalizão golpista e, principalmente, a depender de nossa capacidade de conscientizar, organizar e mobilizar a classe trabalhadora.
O sétimo congresso do PT será palco de muitas batalhas: da democracia contra a fraude; dos que desejam debate, contra os que querem uma mera votação; dos que defendem um partido de luta, contra os que defendem uma legenda eleitoral; dos que defendem um partido antissistêmico, contra os defensores de uma politicagem tradicional e fisiológica; dos que defendem uma oposição radical, contra os que defendem uma oposição frouxa; dos que defendem as reformas estruturais e o socialismo, contra os que defendem a social-democracia e o social-liberalismo.
Mas, além disso tudo, o congresso do PT será uma batalha entre “positivismo” e marxismo. Entre os cultivadores de ilusões e os semeadores de esperança.
Em tempos de guerra, a esperança é vermelha.